Com os anúncios de nomes que vão compor o quadro ministerial do futuro governo, economistas, cientistas políticos e representantes do mercado financeiro começam a avaliar como deve se desenhar o terceiro mandato do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que assumiu a Presidência da República neste domingo, 1º. A expectativa era de um governo com formação mais técnica e menos política, fruto principalmente da série de apoios anunciados ao longo da campanha eleitoral. Entre as personalidades que declararam voto em Lula estão, por exemplo, Henrique Meirelles, cotado para a pasta da Fazenda; o ex-ministro Joaquim Barbosa; Pedro Malan; Armínio Fraga; entre outros, o que indicava a formação de uma frente ampla, com membros de centro-direita, e economicamente mais liberal. Entretanto, agora, a avaliação é que o governo Lula caminha para continuidade da Era Dilma. Ou seja: escolhas menos técnicas e mais políticas, financiamento para grandes empresas e com aumento de gastos do governo e de estatais.
“São pessoas com poder de negociação e com capacidade de articular pelo governo junto a outros pares, principalmente no Congresso. Então, [o terceiro mandato] não é parecido com governo Lula 1 ou Lula 2, está mais para governo Dilma”, explica o economista Denis Medina, economista e professor da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP). A primeira sinalização negativa de Lula ao mercado foi do ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT) para o Ministério da Fazenda. Ainda que já aguardada pelos investidores, a expectativa era de um anúncio conjunto de Haddad e de Pérsio Arida, com o petista assumindo a Fazenda e o economista, um dos pais do Plano Real, como ministro do Planejamento. Arida recusou o convite e a pasta foi entregue à senadora Simone Tebet (MDB-MS), mais afinada com o liberalismo econômico – diante desta composição, há uma expectativa sobre o entrosamento e eventuais choques da dupla ao longo dos próximo quatro anos. “Haddad representa a linha mais ortodoxa do Partido dos Trabalhadores (PT) e traz a memória ao mercado do que foi a política da Dilma. Tudo pode mudar, o cenário é outro, mas ele terá um grande desafio para ser absorvido positivamente”, declara Simone Pasianotto, economista chefe da Reag Investimentos.
Mesmo com a escolha de Fernando Haddad desagradado o mercado, a principal crítica ao novo governo é a escolha de Aloizio Mercadante (PT) para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A confirmação da escolha aconteceu em 13 de dezembro, quando o presidente eleito ressaltou perfil desenvolvimentista do político e a Câmara aprovou, em tramitação e votação recorde, a nova Lei das Estatais, que pode autorizar que o ex-ministro assuma o cargo público. Para os economistas, Mercadante representa uma nova era de aumento dos gastos públicos e de investimentos em grandes empresas, mas sem retorno, o que remete aos erros do governo de Dilma Rousseff (PT), que teve Aloizio nos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, na Educação e Casa Civil. “Com Mercadante no comando do BNDES, acreditamos que voltarão a fomentar grandes empresas, mas a gente enxerga que o melhor seria o desenvolvimento focado em pequenas e médias empresas com grande potencial de geração de empregos, aumento da produtividade, e ter uma revolução industrial, porque a indústria brasileira hoje é pouco competitiva e altamente sucateada”, diz Pablo Alencar, especialista em investimentos da Valor. Em um de seus discursos na cerimônia de posse, o presidente da República anunciou, sem dar detalhes, o retorno do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, marca de sua gestão anterior e iniciativa associada a Dilma, então ministra, que passou a ser chamada de “mãe do PAC”. “Vamos retomar o Minha Casa Minha Vida e estruturar um novo PAC para gerar empregos na velocidade que o Brasil requer. Buscaremos financiamento e cooperação, nacional e internacional, para o investimento, para dinamizar e expandir o mercado interno de consumo, desenvolver o comércio, exportações, serviços, agricultura e a indústria”, disse o petista. Em outro momento, Lula afirmou que o teto de gastos era “uma estupidez”.
Em última análise, Pablo Alencar projeta que o terceiro mandato de Lula pode ser uma mistura entre seus governos um e dois. O especialista afirma que o nova gestão deve recuperar do primeiro governo, de 2003 a 2006, a busca pela queda da inflação e crescimento econômico, ao mesmo tempo que concilia a principal marca do segundo mandato, de 2007 a 2010, o fortalecimento da política social, o que aumenta o gasto fiscal e pode colapsar em uma nova “bomba histórica”, vista na Era Dilma. A ideia de um terceiro mandato diferente também é defendida pelo cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Ele reforça que o petista buscou colocar “a tropa de elite” do PT em cargos estratégicos, o que demarca um mandato economicamente distinto dos anteriores, mas principalmente oposto a economia da gestão de Jair Bolsonaro (PL), o que também preocupa. “Estamos saindo do Paulo Guedes, um liberal de carteirinha, para o Haddad, que defende o bem-estar social e um Estado desenvolvimentista. Vai ser outro governo se compararmos com quem chefiou a Economia antes, mesmo no mandato de Dilma. A tendência é uma linha econômica radicalmente oposta ao que era seguido por Guedes e bem diferente de outros governos petistas”, finalizou.