SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O PT tem feito pagamentos milionários a escritórios de advocacia que atuam na defesa de seus filiados na Operação Lava Jato.
As despesas somaram ao menos R$ 6 milhões ao longo de cinco anos -em valores nominais, sem correção pela inflação, já que os desembolsos não são de períodos fixos, mas variados.
Elas incluem gastos com defensores do ex-presidente Lula e de três ex-tesoureiros que foram condenados em processos da operação.
No caso de um dos escritórios, que recebeu R$ 911 mil entre 2017 e 2018, consta na Justiça Eleitoral que a fonte dos recursos é o fundo partidário, financiado com dinheiro público e destinado à manutenção dos partidos.
A direção petista foi advertida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2021 por gastos desse teor e teve contas do ano de 2015 desaprovadas. Mas recorre da decisão junto ao Supremo Tribunal Federal.
Entre as maiores despesas com honorários nos últimos anos estão as feitas com o escritório D’Urso e Borges, que defende o ex-tesoureiro João Vaccari na Lava Jato.
A banca, do ex-presidente da OAB-SP Luiz Flávio Borges D’Urso, recebeu, desde 2017, R$ 2,9 milhões do partido, em valores não corrigidos.
O ex-tesoureiro permaneceu preso, por ordem do ex-juiz Sergio Moro, de 2015 a 2019. Hoje ele aguarda em liberdade a tramitação de recursos nas instâncias superiores.
As despesas são incluídas nas contas do partido como “serviços de consultoria jurídica”.
Os dados das contas partidárias na Justiça Eleitoral apontam que a fonte das despesas foram “outros recursos”, e não o fundo partidário.
O PT tem cerca de 90% de suas receitas com origem no fundo partidário. Dos valores restantes, há quantia expressiva advinda de contribuição paga por congressistas do partido, com percentual definido sobre o salário recebido.
Em 2021, o partido teve direito a cerca de R$ 100 milhões do fundo público, que é repartido conforme os tamanhos das bancadas na Câmara dos Deputados.
O escritório Teixeira Zanin Martins, que comanda a defesa de Lula nos casos da Lava Jato, recebeu pagamentos que somam R$ 1,2 milhão desde 2019. Também nesse caso, a despesa consta como financiada com “outros recursos”.
Na campanha eleitoral de 2018, na qual Lula tentou se lançar candidato e foi barrado pela Lei da Ficha Limpa, o partido chegou a declarar pagamento de R$ 1,5 milhão ao escritório com recursos do fundo eleitoral, também de origem pública. Os advogados posteriormente afirmaram que se tratou de um erro e o lançamento foi revisto na documentação oficial.
Neste ano, Lula novamente será candidato à Presidência e lidera as pesquisas de intenção de voto. Ele recuperou seus direitos políticos após a anulação de sentenças pelo Supremo e a declaração de parcialidade do ex-juiz Moro.
O ex-tesoureiro Delúbio Soares, condenado no mensalão e na Lava Jato, é defendido no Paraná por um escritório de Goiás, seu estado natal. Desde 2018, o advogado Pedro Paulo Medeiros foi remunerado pelo trabalho com R$ 661 mil pagos pela legenda.
Outro advogado de ex-tesoureiro que recebeu pagamentos da direção petista foi Elias Mattar Assad, que defendeu Paulo Ferreira, responsável pelas finanças do partido de 2005 a 2010.
Ferreira passou sete meses preso preventivamente entre 2016 e 2017. Condenado por Moro em primeira instância, foi absolvido em segundo grau. Foram pagos ao advogado R$ 42 mil em 2017.
O PT também arcou com as defesas de suspeitos fora do primeiro escalão do partido.
O escritório Bueno de Aguiar, Wendel e Associados, que também representou Paulo Ferreira, defendeu Juscelino Dourado, ex-assessor do ex-ministro Antonio Palocci.
Dourado foi preso junto com Palocci em 2016, sob suspeita de operacionalizar pagamentos ilegais, mas acabou nunca sendo denunciado na operação.
Foram pagos pelo trabalho dos advogados R$ 911 mil em 2017 e 2018. Nesse caso, a fonte das despesas nos dados da Justiça Eleitoral é o fundo partidário.
Em 2017, o partido também desembolsou outros R$ 177 mil ao advogado José Roberto Batochio. À reportagem ele disse que o pagamento se referia ao trabalho de defesa de Paulo Ferreira.
Batochio na época também advogou para Lula, Palocci e para outro ex-assessor do ex-ministro, Branislav Kontic. Palocci posteriormente trocou de advogados e decidiu fazer acordo de colaboração.
Outros repasses do PT ao escritório Bueno de Aguiar estiveram no centro de questionamento da Justiça Eleitoral às contas partidárias de 2015.
A assessoria técnica do TSE apontou como irregulares pagamentos que somaram R$ 455 mil (valores também não corrigidos) pagos à banca de advocacia que citavam como serviços prestados as defesas de Paulo Ferreira, de Juscelino Dourado e de uma funcionária denunciada em desdobramento da Lava Jato em São Paulo, Marta Coerin. O escritório também atuou em uma ação de improbidade na Justiça paulista.
Em voto no ano passado, o ministro Alexandre de Moraes, que relatou os casos, afirmou que a irregularidade era grave, “na medida em que recursos públicos estão sendo utilizados ao amparo de causas individuais e personalíssimas, de evidente afronta aos princípios da administração pública”.
A maioria dos colegas da corte concordou. Somados com outros problemas na prestação, a decisão foi por desaprovar as contas, com suspensão de cotas do fundo partidário por um mês e restituição de valores.
Segundo a Lei dos Partidos Políticos, a verba do fundo partidário só pode ser usada em processos judiciais e administrativos “de interesse partidário, bem como nos litígios que envolvam candidatos do partido, eleitos ou não, relacionados exclusivamente ao processo eleitoral”.
O fundo partidário é repassado mensalmente aos partidos para financiar atividades políticas, como doutrinação e educação política e o funcionamento de sedes. A verba, por decisão do Congresso, teve um salto em seu orçamento após a proibição da doação de empresas, em 2015.
Além dessa cifra, os partidos recebem nos anos de eleição o fundo eleitoral para bancar gastos de campanha.
As quantias pagas pelo PT aos criminalistas não são as mais elevadas desembolsadas pelo partido com advogados no período. O escritório Aragão & Ferraro, que representa a sigla nas cortes superiores, recebeu quase R$ 8 milhões desde 2018.
A banca foi fundada por Eugênio Aragão, nomeado para o Ministério da Justiça no fim do governo Dilma Rousseff, em 2016.
Também há gastos com escritórios que defendem o partido na Justiça Eleitoral.
OUTRO LADO
Procurado pela Folha de S.Paulo, o PT disse, por meio de sua assessoria, que os serviços jurídicos são adquiridos dentro da lei, “na defesa de seus objetivos programáticos e estatutários”, e que presta contas à Justiça Eleitoral dos recursos utilizados, “sejam próprios ou provenientes dos fundos eleitoral e partidário”.
Diz ainda que os casos citados pela reportagem se enquadram na Lei dos Partidos Políticos, que prevê a contratação de advogados em processos de interesse partidário.
Especificamente sobre a contratação em casos da Lava Jato, a direção petista afirmou à reportagem que houve ações “movidas por motivação política e não jurídica”, citando a anulação das sentenças contra o ex-presidente Lula.
“Ressalte-se que os contratos referentes ao ex-presidente são pagos com recursos próprios do PT.”
O partido também disse que o questionamento envolvendo as contas de 2015 está sendo discutido em recurso ainda não julgado no Supremo.
A Folha de S.Paulo tentou contato por telefone com o escritório Bueno de Aguiar e enviou perguntas por email, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
O Teixeira Zanin Martins respondeu à reportagem: “O escritório foi contratado em 2019 pelo Partido dos Trabalhadores para prestar serviços jurídicos e foi remunerado por recursos privados da entidade, conforme previsto em contrato”.
O advogado José Roberto Batochio disse que, no trabalho para o PT, havia cláusula estabelecendo que os recursos não viriam de fontes públicas, por regras de compliance (conformidade), mas sim de doações particulares ao partido.
“Há declaração expressa do partido de que não se trata de recursos públicos.”
O trabalho de defesa de Lula, Palocci e Branislav Kontic não foi pago pelo partido, diz ele.
O advogado Elias Mattar Assad, de Curitiba, afirmou à reportagem que foi subcontratado para atuar também na defesa de Paulo Ferreira por outro escritório, o Bueno de Aguiar, que pôs em contrato a previsão de que o pagamento não seria feito com fundo partidário.
“Nosso cliente foi libertado sem habeas corpus, em audiência, e no final foi absolvido”, diz Assad.
O advogado Pedro Paulo Medeiros disse à reportagem que é remunerado pelo partido pelo trabalho na defesa de Delúbio Soares e que presta contas das atividades desenvolvidas à legenda, conforme é solicitado.
O D’Urso e Borges diz que não se manifesta sobre o assunto por envolver acordo de confidencialidade.
Fonte: Folha de S. Paulo