Buscando diminuir a rejeição entre evangélicos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca estratégias para se aproximar do segmento por meio dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. Em entrevista ao jornal O Globo, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, confirmou que o Palácio do Planalto está treinando integrantes de igrejas para cadastrar pessoas em situação de vulnerabilidade nos programas sociais, como Bolsa Família, Farmácia Popular, Minha Casa, Minha Vida e Luz para Todos.
“A orientação é trabalhar com quem quer trabalhar [com o governo]. Independentemente de quem votou. As igrejas chegam onde ninguém chega. Há uma relação muito além da disputa política e do interesse eleitoral, que é a de redução da pobreza, e vamos precisar de todos os setores que possam ajudar”, disse Dias ao O Globo.
A estratégia adotada pelo governo segue após a última pesquisa DataFolha, publicada em 7 de dezembro, mostrar que Lula é reprovado por 38% dos evangélicos. O seguimento é vital para as próximas eleições – tanto as municipais, em 2024, quanto as gerais, em 2026 -, visto que representa 28% do eleitorado brasileiro. Além disso, os evangélicos são mais próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Será que estamos falando aquilo que o povo quer ouvir de nós? Ou será que temos que aprender com o povo como é que fala com eles? Como é que a gente chega aos evangélicos?”, questionou Lula em um evento ainda em dezembro.
Para o senador Magno Malta (PL-ES), membro da Frente Parlamentar Evangélica no Senado e da oposição ao governo Lula, a tática do Planalto já é conhecida pelo público evangélico, sendo semelhante ao discurso do primeiro mandato do petista.
“Isso foi uma bela invenção do [marqueteiro] Duda Mendonça: criar aquele Lula que se elegeu em 2002 com o discurso de lutar contra a miséria e a corrupção. Quem não quer isso? Os cristãos brasileiros, de fato, viviam apartados disso. Realmente, era o conto do vigário e todos nós caímos nesse conto”, disse o senador.
Para ele, essa é uma estratégia recorrente do PT. “Todo processo eleitoral eles tentam se aproximar da Igreja porque o voto é muito importante. Inclusive, já criaram pastores, líderes de igrejas de esquerda para irem às redes sociais atacarem líderes que não apoiam essa ideologia comunista e abortista”. Malta lembrou ainda que membros da esquerda costumam ser favoráveis à liberação das drogas.
A declaração do senador segue na esteira da percepção captada pela pesquisa do PoderData, a qual mostrou que 52% do eleitorado evangélico considera o governo Lula pior que a gestão de Bolsonaro. A taxa oscilou 5 pontos percentuais para cima desde o início do ano.
Aproximação com evangélicos foi foco Planalto em 2023
A tentativa de aproximação do governo com os evangélicos foi foco da articulação política da gestão petista ao longo do ano. Em junho, o advogado-geral da União, Jorge Messias, e a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), ambos evangélicos, representaram o governo Lula na Marcha para Jesus – importante evento para a categoria.
Lula chegou a ser convidado, mas a leitura do Planalto foi de que a presença do mandatário poderia gerar forte rejeição por parte do público. Com isso, Lula enviou uma carta ao apóstolo Estevam Hernandes, idealizador da Marcha para Jesus, agradecendo o convite, mas negando a participação.
“Sempre admirei e respeitei a Marcha para Jesus, que considero uma das mais extraordinárias expressões de fé do nosso povo”, diz o texto assinado por Lula. Na época, Hernandes elogiou o gesto do presidente da República.
“Achei muito importante da parte dele esse reconhecimento da Marcha, no sentido de ser um evento cristão de importância mundial”, afirmou Hernandes à Folha de S. Paulo. Em 2009, Lula sancionou a lei que criou o Dia Nacional da Marcha para Jesus. Porém, o petista nunca participou de nenhuma edição. Bolsonaro foi o primeiro a ir ao evento, já no primeiro ano de seu mandato.
Evangélicos também tiveram influência na disputa por vaga no STF
Além da Marcha para Jesus, Messias ficou responsável pela interlocução do Planalto com a Frente Parlamentar Evangélica, o que conferiu ao governo certa segurança no trato com deputados e senadores em temas sensíveis ao Executivo.
Antes da votação da PEC 08/2021 no Senado, que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Messias era apontado como um nome de consenso entre os parlamentares evangélicos na disputa pela vaga aberta com a saída de Rosa Weber. O AGU era visto como alguém que votaria contra pautas progressistas no STF – como a descriminalização do aborto e a liberação do porte de drogas.
No entanto, o desgaste entre Lula e o STF, devido ao voto do senador Jaques Wagner (PT-BA) na PEC 08, fez com que o Executivo descartasse a candidatura de Messias e indicasse o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, para ocupar a vaga. Dino era o favorito de membros da Suprema Corte.
A mudança gerou descontentamento entre senadores da Frente Parlamentar Evangélica, o que forçou Lula a se movimentar novamente para diminuir os atritos entre os evangélicos. A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que também faz parte dessa Frente, foi escalada pelo Planalto para atenuar a rejeição de Dino entre os colegas.
Identitarismo da esquerda torna aproximação de Lula com evangélicos pouco provável
Ao disputar a presidência em 2022, Lula assumiu compromissos com diversos segmentos da sociedade. Entre eles, a ala da esquerda que defende pautas identitárias que causam preocupação e alerta no meio cristão. Na leitura de analistas políticos, a infiltração de agentes pró-governo em redutor religiosos não anulará a discordância desse segmento em assuntos relacionados a ideologia de gênero, questões raciais, aborto e legalização das drogas.
Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o Planalto não entendeu que as diferenças de crença e valores falam mais alto do que benefícios sociais.
“O governo está subestimando a importância das crenças, dos valores, de elementos simbólicos e representacionais que são a contrapartida do identitarismo. Ou seja, se o governo defende o identitarismo de raça, gênero e opção sexual; os evangélicos defendem outra identidade: a identidade tradicional do direito romano, da filosofia grega, da moral judaico-cristã e dos valores familiares. Isso tudo também é identitarismo e o governo não se dá conta de que não será um benefício assistencial que vai transformar a visão das pessoas”, disse Gomes.
Ele também explica que os efeitos na mudança de opinião, caso ocorra, de um segmento como o evangélico só poderá surtir efeito no longo prazo.
“Essa atuação junto às lideranças evangélicas, segundo estudos acadêmicos sobre o assunto, é um processo longo. Normalmente, quando se tem infiltração em determinado grupo político ou religioso, leva-se décadas para ter algum efeito”, afirmou.