Leite de jumenta pode reduzir liberação do hormônio do estresse e resposta inflamatória no desmame de leitões

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Inauguração

Pesquisa da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP revela que a suplementação com leite de jumentas reduziu a liberação de cortisol, conhecido como hormônio do estresse, e a resposta inflamatória em leitões durante o período de desmame. O estudo, realizado em colaboração com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), sugere que o leite de asininos tem uso potencial como suplemento para bebês humanos, o que dependerá de novas investigações. Os resultados do trabalho também apontam que a produção desse leite poderia eliminar o abate de jumentos para exportação da pele, que vem colocando em risco a sobrevivência da espécie.

“A pesquisa foi inspirada por um estudo que completamos no Nordeste onde 70% dos entrevistados, nas regiões de Euclides da Cunha, na Bahia, e Santa Quitéria, no Ceará, comentaram sobre o uso de leite de jumentas com fins terapêuticos”, relatam ao Jornal da USP Sharacely de Souza Farias, responsável pela pesquisa, e o professor Adroaldo José Zanella, da FMVZ, orientador do trabalho. “Segundo o último dado computado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2018, havia no Brasil 822.255 asininos.”

As conclusões da pesquisa, realizada durante a elaboração de tese de doutorado na FMVZ, são apresentadas no artigo Asinine milk mitigates stress-mediated immune, cortisol and behavioral responses of piglets to weaning: A study to foster future interventions in humans, publicado na revista científica Frontiers in Immunology em 14 de abril.

De acordo com os pesquisadores, o leite de asininos não é comercializado no País, contudo, em países como Alemanha, França e Itália, ele é usado especialmente para atender bebês prematuros. “O leite de asininos é muito valorizado pela semelhança com o leite humano”, apontam. “Como pesquisas indicam que a desmama é um período de muito estresse para os leitões, estudamos o efeito da suplementação durante esse período”. Em criações comerciais o desmame é efetuado a partir das quatro semanas de vida, enquanto em situações naturais ele acontece com até 12 semanas.

No experimento, os leitões foram divididos em três grupos, os quais receberam leite de jumenta, leite de vaca desnatado e nenhum suplemento, três dias antes e três depois do desmame.

“Para avaliar a eficácia da suplementação no sistema imunológico, cognitivo e na resposta ao estresse, foi medida a concentração de cortisol salivar, que é um hormônio ligado ao estresse. Além de testes comportamentais que mensuram a emocionalidade e cognição e isolamento das células do sistema imunológico dos leitões”, descrevem Sharacely Farias e o professor Zanella. “Todas as medições foram feitas antes e depois do desmame. Nas células do sistema imunológico, avaliamos a expressão de genes associados à resposta ao estresse e também a produção de citocinas inflamatórias.”

“O sistema imunológico representa um conjunto de respostas existentes em animais e seres humanos, que pode agir de forma específica ou geral na proteção contra potenciais ataques por agentes causadores de doenças, e o estresse os torna mais vulneráveis, afetando todo seu desenvolvimento”, afirmam os pesquisadores.

“Os leitões são animais-modelos de excelência adotados em estudos comparativos com seres humanos em relação a anatomia, fisiologia, processos de neurodesenvolvimento e resposta imune. Um período crítico de maior sensibilidade a agentes estressores e exposição a patógenos é o desmame, que representa separação materna e mudança de alimentação.”

Resultados

Os pesquisadores descobriram que o leite de jumentas reduziu a liberação do hormônio de estresse, o cortisol, em suínos submetidos a situações estressantes. “Também constatamos, nas células do sistema imunológico dos suínos, que o leite de asinino pode diminuir a produção de genes de 1L1β, que é uma citocina [proteína] pró-inflamatória. Respostas inflamatórias exageradas podem comprometer vários sistemas adaptativos, com consequências para o desenvolvimento dos animais”, ressaltam.

“Com isso, pudemos verificar que o leite de asinino mitigou a resposta inflamatória que o estresse do desmame e a mudança de dieta causaram nos leitões, quando comparados com o tratamento com leite bovino desnatado e o grupo que não recebeu suplementação.”

“Os resultados sugerem que a suplementação com leite asinino pode ser uma estratégia para diminuir os danos associados a um evento estressor precoce, reduzindo a liberação do cortisol e também reduzindo a expressão de 1L1 Beta, que pode desencadear respostas inflamatórias”, destacam Sharacely de Souza Farias e o professor Zanella. “Portanto, a suplementação com leite asinino poderia também atender bebês prematuros, além do emprego como complemento alimentar para crianças e idosos. Contudo, mais pesquisas devem ser realizadas.”

Os pesquisadores esperam que a comprovação dos benefícios que o leite pode trazer para a saúde humana mude o olhar da população e dos governantes brasileiros em relação aos asininos. “Entendemos que é urgente o encerramento do abate para atender à demanda da China”, alertam.

“Cerca de 70 mil animais são abatidos todo ano para exportação da pele, de onde é extraído o colágeno, ou ejiao, usado na medicina tradicional, embora suas propriedades terapêuticas não sejam comprovadas cientificamente. O abate coloca os asininos na classificação de risco de extinção, primariamente pela gestação de doze meses e maturidade sexual tardia da espécie.”

“Nosso grupo de pesquisa faz parte da Força-Tarefa Nacional Pelos Jumentos, que, desde 2015, trabalha para melhorar o bem-estar e ressignificar o papel desses animais na economia e cultura nordestina e brasileira”, conclui o professor.

A pesquisa é descrita na tese de doutorado de Sharacely de Souza Farias na FMVZ, orientada por Zanella e co-orientada pela professora Chiara Albano de Araujo Oliveira, da UFBA. Colaboraram com o estudo o professor Guilherme Pugliesi e Priscilla Assis, do Departamento de Reprodução Animal, nos trabalhos de expressão gênica nas células do sistema imunológico, e Ana Carolina Dierings, Vinicius Cardoso Mufalo, Leandro Sabei, Arthur Nery da Silva e Marisol Parada Sarmiento, do Centro de Estudos Comparativos em Saúde, Sustentabilidade e Bem-Estar (CECSBE) da FMVZ. O pesquisador Claudio Vaz Di Mambro Ribeiro, da UFBA, auxiliou na análise estatística do experimento. O Criatório Ximbó, de Laranjal Paulista (SP), apoiou a execução do projeto.

Fonte: JORNAL DA USP | Texto: Júlio Bernardes

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