Após reportagem do UOL que divulgou vídeo inédito do ex-vereador Jairinho soprando a boca do menino Henry Borel no elevador, a defesa solicitou à Justiça o adiamento de um pedido de liberdade do ex-vereador, que seria julgado hoje. A medida indica atrito entre equipes de advogados contratados pela família do político, acusado de matar a criança de 4 anos.
No documento, o advogado Braz Sant’Anna justificou que o pedido foi motivado “por questão de ética profissional” e disse que irá “exigir esclarecimentos”. O pedido remetido ao Judiciário foi assinado na terça-feira (26), horas após a publicação da reportagem, que mostrava um dossiê de outro escritório de advogados contratado pela família de Jairinho com contestações ao laudo pericial produzido pela Polícia Civil.
Jairinho e Monique Medeiros, padrasto e mãe da criança de 4 anos morta em 8 de março, respondem por homicídio triplamente qualificado.
Braz Sant’Anna, constituído legalmente para atuar no caso pela família de Jairinho, entende que há irregularidade na ação do outro escritório de defesa, encarregado de uma investigação paralela.
Procurado, o escritório de Braz Sant’Anna disse que não irá se manifestar. Contudo, horas após o UOL revelar detalhes sobre o dossiê, advogados ligados a Sant’Anna procuraram a reportagem para informar que ele iria entrar com processo junto à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para denunciar o caso.
Por outro lado, os defensores que elaboram o relatório para contestar as provas produzidas no processo alegam que não atuam diretamente no caso na Justiça. O advogado Fabiano Lopes, que pertence ao escritório envolvido no trabalho de investigação defensiva contratado pela família de Jairinho, negou interferência no processo.
“Estamos agindo dentro da lei. A bancada defensiva não foi constituída pela defesa do Jairinho. Fomos contratados para produzir provas, e a família quis levar essas provas ao conhecimento da sociedade. Não estamos trabalhando no processo.”
A produção de um relatório paralelo integra contudo uma estratégia de defesa, o que requer sintonia entre as equipes de advogados.
O que diz o dossiê
O dossiê elaborado pela bancada defensiva contratada pela família de Jairinho contradiz versão da polícia de omissão de socorro ao alegar que o político tentou reanimar a criança no elevador onde a família morava, na zona oeste do Rio. O vídeo será anexado ao documento.
Procurada, a Polícia Civil informou que o vídeo foi analisado pela perícia e descartou tentativa de socorro na ação de Jairinho. O promotor Fábio Vieira, que atua no caso, defendeu a consistência das informações do laudo pericial, descartou a hipótese de acidente doméstico e disse que o vídeo é “apenas uma encenação pífia de manobra de ressuscitação, porque o Henry já estava morto”.
Nas imagens, registradas na madrugada de 8 de março, Jairinho aparece entrando no elevador seguido por Monique com a criança desacordada no colo. O padrasto então assopra a boca de Henry, sem sucesso.
Delegado se posicionou sobre o vídeo
Na primeira audiência do caso, ocorrida no dia 6 deste mês, o delegado Henrique Damasceno, responsável pelas investigações, chegou a se posicionar sobre o episódio.
“Em relação àquela manobra no elevador, eu posso dizer, mesmo sem ser médico, que soprar a boca de uma criança no colo não é minimamente o que se faz para tentar reanimar. De qualquer maneira, as imagens constam nos autos e nos relatórios de imagem.”
Em seguida, Damasceno citou a versão do político na delegacia.
“Eu perguntei para ele [Jairinho] várias vezes se ele havia feito alguma manobra de reanimação ou por que ele não havia feito. Ele disse que nunca havia feito porque nunca exerceu Medicina. Não foi um fato que passou despercebido.”
O delegado se referia ao depoimento à Polícia Civil dez dias após a morte de Henry, quando Jairinho afirmou que a criança “não respondia à respiração boca a boca que Monique fazia” nem a qualquer estímulo. O ex-vereador não citou na ocasião a tentativa de assoprar na boca do menino no elevador.
Damasceno questionou se alguém havia feito massagem cardíaca antes de Henry chegar ao hospital —Jairinho respondeu que não lembrava. O padrasto do menino explicou que não fez qualquer manobra de socorro porque “a última massagem cardíaca que realizou foi em um boneco na faculdade”. Por isso, segundo ele, priorizou “providenciar o socorro imediato” e levar o menino ao hospital.
Peritos legistas e criminais da Polícia Civil descartaram a tese de acidente doméstico e concluíram que houve uma ação violenta que durou até três horas.
Com 23 lesões espalhadas pelo corpo condizentes com aquelas produzidas mediante ação violenta, o menino morreu em decorrência de “hemorragia interna e laceração hepática causada por ação contundente”, apontou o laudo da Polícia Civil.
Ainda segundo o laudo, Henry não apresentava sinais vitais no elevador. Em depoimento, três pediatras informaram que a criança chegou sem vida ao hospital.
A dúvida sobre a versão de acidente doméstico deu início a um trabalho desenvolvido por peritos que envolveu exame do corpo da criança no IML (Instituto Médico Legal), captura de vídeos, reprodução simulada no local do crime e extração de dados de 14 celulares com o auxílio de uma ferramenta israelense adquirida por cerca de R$ 5 milhões pelo governo estadual.